Lady Bharani pergunta a Quantum Bird – SCO como uma futura alternativa à ONU, conjuntura semelhante à de 1937 a 1940, escassez artificial e o “bilhão de ouro”

Lady Bhārani – 02 de outubro de 2022

 "Essencialmente, um sistema alternativo de relações internacionais foi criado – que remove a ONU, como ela existe hoje, [da posição] de centro representativo fundamental na comunidade internacional".   
Andrei Martyanov a respeito da Cúpula de Samarcanda da SCO

Pergunta 1: Cada vez mais temos observado que foram bem poucos os analistas e dirigentes políticos que realmente entenderam a amplitude dos acontecimentos ocorridos entre 15 e 16 de setembro, na Cúpula de Samarcanda da SCO [Organização para a Cooperação de Xangai].

Andrei Martyanov foi bem claro a esse respeito, afirmando que

“essencialmente, um sistema alternativo de relações internacionais foi criado – que remove a ONU, como ela existe hoje, [da posição] de centro representativo fundamental na comunidade internacional”.

Sei que você também avalia esse fato de forma semelhante. Você poderia nos explicar o porquê?

Quantum Bird: A ONU – principalmente depois do colapso da URSS, mas não limitada a este período – tornou-se uma entidade fortemente focada nos interesses do, e controlada pelo, Ocidente coletivo, que, é claro, é controlado pelos EUA. Assim, a organização perdeu, inexoravelmente, estatura e legitimidade. Nós temos casos, como a invasão do Iraque, ou o ataque à Servia, nos quais o Ocidente coletivo simplesmente ignorou os mandatos da ONU, com consequências catastróficas que perduram até hoje. Sem contar a prática de enganações e golpes, como foi o caso recente do acordo, mediado pela ONU, para a exportação do trigo ucraniano em regime de urgência, para evitar a fome nos países pobres, onde a insegurança alimentar é endêmica. Acontece que, neste caso, somente 5% desse trigo foi exportado para esses países, o resto, ou seja, 95%, ficou na Europa. Tudo isso sob os auspícios da ONU.

Os Estados Unidos e seus vassalos tentam todo o tempo manipular esta instituição para atuar à margem da lei internacional, do seu próprio “Charter”/“Carta”, e de acordo com a sua ideia de ordem internacional baseada em regras (formuladas por eles mesmos, claro). Some-se a tudo isto a crescente distância entre esta instituição e a realidade geopolítica, como acontece, por exemplo, no Conselho de Segurança anacrônico, mas impossível de ser reformado efetivamente. Enfim, por tudo isto e muito mais, a ONU vem perdendo credibilidade e legitimidade.

Os países do Sul Global sentem que não podem contar muito com a ONU para nada de efetivo; eles são tratados lá como membros de segunda, ou terceira classe, e estão se organizando para arbitrar e coordenar seus interesses de modo alternativo.

O que transpirou de Samarcanda foi esse sentimento, com a SCO, sendo inicialmente uma organização de cooperação econômica, ampliando seu escopo e admitindo novos membros.

Já 21 anos de Organização para a Cooperação de Xangai/Shanghai Cooperation Organization – SCO e continua crescendo.

Pergunta 2. A iminência de uma Terceira Guerra Mundial, infelizmente, voltou à pauta de discussões. O analista Larry Johnson recentemente afirmou que, em termos de escalada de tensões e rearranjos da arquitetura geopolítica mundial, é como se estivéssemos hoje revivendo a conjuntura vivida de 1937 a 1940 – um preâmbulo de um grande conflito global.

O que você pensa a esse respeito?

Tendo a concordar com Jonhson. De fato, o litígio geopolítico, econômico e militar está escalando e não o contrário. Pessoalmente, acredito que Rússia, China, Irã, Venezuela, Cuba, Coreia do Norte e outros países mais representativos do Sul Global, já estão em guerra com o Ocidente coletivo há pelo menos uma década, se não mais. Essa guerra tem sido, na maior parte do tempo, econômica (sanções), informacional (revoluções coloridas, campanhas de propaganda…) e, em menor escala, cinética.

Infelizmente, mas como foi amplamente previsto por todo mundo que conhece um pouquinho a História e esteve prestando atenção nos acontecimentos, a componente cinética está aumentando significativamente, enquanto as guerras informacional e econômica tornam-se mais severas. Note que temos em curso uma guerra econômica brutal entre os EUA/UE e a Rússia, Bielorrússia, Irã e Venezuela. Os esforços do Ocidente coletivo para promover mudança de regime no Irã se intensificaram, mas a novidade é o próprio Irã, agora, respondendo a tudo isto militarmente, e de forma bem competente, devo acrescentar.

Nesse contexto, estamos vendo uma preparação coletiva no Sul Global para a guerra (definitiva?) contra o Ocidente coletivo. Vemos os países do Sul Global ampliando a colaboração entre si, nas áreas de defesa e inteligência, e estreitando laços econômicos, tentando se isolar da influência do dólar.

É sempre difícil e arriscado fazer previsões, mas eu acredito que uma conflagração geral está bem próxima. O teatro de operações ucraniano permanece muito complicado e propenso a um erro de cálculo que pode pôr a OTAN em rota de colisão com a Rússia a qualquer momento. Principalmente depois do retorno das províncias de Donestk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson à Rússia. A situação no estreito de Taiwan também permanece bastante problemática, com o Ocidente coletivo fazendo provocações, prospectando e desafiando continuamente a supremacia da marinha chinesa naquela área. Existem outros exemplos, que incluem o confisco de petroleiros iranianos, ou venezuelanos, em águas atlânticas, não difere em nada da velha pilhagem e pirataria que, diga-se de passagem, caracterizou sempre as culturas nórdicas e incivilizadas da Europa. Em suma, tudo isto fornece oportunidades para escalação de hostilidades.

Por fim, vive-se uma atmosfera de pré-guerra de facto. Cidadãos mais cautelosos estão já retornando aos seus países de origem, enquanto rotas comerciais ainda estão disponíveis. A retórica de guerra está amplamente normalizada. Líderes e representantes de potências estrangeiras ameaçam a Rússia e outros países com ataques com armas nucleares sem qualquer constrangimento, e – o pior – sem serem minimamente criticados por seus eleitores. Acrescente-se a isto a entrada do Ocidente coletivo, profundamente endividado, entrando em recessão, com prospecto de hiperinflação. Se o comportamento passado for um estimador para prever o comportamento futuro, bem, nesse caso, somos forçados a concluir que o velho hábito de superar crises econômicas fomentando guerras pode voltar à baila (grifo da editora).

Pergunta 3: Já discutimos antes sobre a escassez artificial e como ela é engendrada pelas elites transnacionais, de forma consciente e proposital. A desarticulação sistemática das cadeias de suprimento é um bom exemplo. Outro, como você bem mencionou há pouco, é o rebaixamento de várias nações ao nível de insegurança alimentar. No Brasil, segundo relatório recente, cerca de 125 milhões de brasileiros enquadram-se nesse cenário.

Você poderia estruturar para a gente como agendas como a ESG, Grande Reset, Grande Narrativa, os fenômenos de desindustrialização e financeiricização da economia, investimentos em energias sustentáveis, inviabilização das cadeias de suprimento, sanções econômicas a fertilizantes e à matérias primas importantes para a agricultura e indústria comerciais, e outras ações mais, enquadram-se dentro desse contexto intencional de escassez artificial?

O objetivo dessas agendas é livrar-se do maior número possível de pobres, o mais rápido possível. Como a riqueza está profundamente concentrada e a miséria é amplamente compartilhada em nosso planeta, estamos falando da eliminação da maior parte da humanidade. Os adeptos das doutrinas nefastas que você mencionou acreditam que apenas um grupo seleto entre 500 milhões e 1 bilhão de seres humanos merece, de fato, viver. Eles chamam esse grupo de “o bilhão de ouro” ou “o bilhão dourado”. São fanáticos, genocidas e lunáticos, verdadeiros inimigos da humanidade. Estão por trás da invenção da pílula anticoncepcional, aprovação de leis sobre a liberalização do aborto e doutrinas de planejamento familiar. Todo mundo deveria ler o documento:

National Security Study Memorandum
NSSM 200
Implications of Worldwide Population Growth
For U.S. Security and Overseas Interests

Nesse relatório, assinado e apresentado por H. Kissinger, em 1974, discute-se a invenção de uma coleção de métodos contraceptivos mais eficientes – que não existiam ainda naquela epóca, mas são agora amplamente usados por “mulheres independentes emporadas” – juntamente com as figuras correspondentes de alocação orçamentária necessárias para desenvolvê-los. Veja que tudo isto ocorre no contexto da percepção da elite dos EUA de que o crescimento populacional nos outros países é uma ameaça à sua estatura hegemônica. Interessantemente, discute-se também a alocação de recursos para organização de campanhas de propaganda para superar as barreiras culturais que impediam a adoção em massa de tais métodos. Existe uma seção também dedicada ao aborto, que começa assim com a seguinte frase:

– No country has reduced its population growth without resorting to abortion.

Nenhum país reduziu seu crescimento populacional sem recorrer ao aborto.

Vários países do Sul Global são citados como alvo das políticas propostas neste relatório. E, a julgar pelo estado atual da normalização dessas ideias, podemos dizer que tiveram sucesso. Vale à pena pesquisar sobre as maquinações satânicas apocalípticas dos straussianos e transhumanistas também.

Adeptos dessas doutrinas estão entrincheirados e bastante empoderados nas instituições ocidentais, de onde fomentam guerras, crises de abastecimento e desastres econômicos.


Fontes:

1. Vídeo-análise Game did change/O Jogo realmente mudou – de Andrei Martyanov – 20 de setembro.

A partir da minutagem 21:10 em diante, Martyanov sobre a pertinência da SCO:

“I could not emphasize enough what was happening. Many people don’t want to understand that an alternative system of international relations has been built, essentially – which removes the UN, as it exists now, from the fundamental representation of the international community.”

“Eu não poderia enfatizar o suficiente o que aconteceu. Muitas pessoas não querem entender que um sistema alternativo de relações internacionais foi construído, essencialmente – o que retira a ONU, como existe agora, da representação fundamental da comunidade internacional.”

2. Vídeo Mesa Redonda #22: Alex Christoforou, Larry Johnson, The New Atlas (Brian Berletic) – de Gonzalo Lira – 22 de setembro de 2022.

3. Insegurança Alimentar atinge 125 milhões de pessoas no Brasil, diz relatório – Artigo da Sputinik Brasil.

https://t.me/SputnikBrasil/14709

4. Memorando de Estudo de Segurança Nacional NSSM 200 – Implicações do Crescimento Populacional Mundial para a Segurança dos EUA e Interesses no Exterior (RELATÓRIO DO KISSINGER) – 10 de dezembro de 1974.

One Comment

  1. Ersim said:

    La credibilidad de la ONU ha sido muy dudosa desde su comienzo. Con la llamada guerra de Corea en 1950, la ONU fracasó por completo con su misión de “paz”, Con la desaparición de la URSS, la ONU se degeneró por completo, convirtiéndose en una aberración neoliberal pro-estadounidense.

    2 October, 2022
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